Homens que se vestem como mulheres na intimidade chegam a relatar diferenças de suas personalidades femininas em relação às masculinas do dia a dia, mas preferem viver no anonimato por temerem a incompreensão e o preconceito da sociedade
Por Leonardo Fuhrmann Do Portal Fórum
Um corpo dividido entre duas personalidades diferentes, uma masculina e outra feminina, é a forma que Cléo usa para explicar a sua coexistência com sua personalidade masculina. A diferenciação, para ela, começa ao atender a ligação no celular. Sai a voz notadamente de um homem que atendeu a chamada e volta outra bem mais identificável como de uma mulher. Cléo, cujo nome foi dado por conta de uma fantasia de Cleópatra, existe há pouco mais de um ano e surgiu quando um parceiro sexual sugeriu que vestisse uma calcinha e meia-calça durante o sexo. Segundo ela, essa personalidade foi se desenvolvendo assim como os figurinos e as montagens (maneira como elas tratam o ato de se vestir de mulher). “Em dado momento, me surpreendi com meus gostos femininos, não só na hora de escolher as roupas, mas nas minhas preferências também. Como Cléo, gosto de homens gordinhos, por exemplo, que é algo que não me atrai normalmente. Outra novidade foi quando percebi que, além do sexo, eu sentia a necessidade de receber carinho também quando estou como mulher”, conta.
Apesar de sua preferência sexual por homens ser comum às duas personalidades, Cléo mantém segredo sobre a existência desse lado feminino. Ela tem um blog na internet e um perfil nas redes sociais dedicado a contar suas experiências e também a buscar parceiros. “Geralmente, tenho em torno de duas horas para me vestir como mulher, manter esse encontro, que tem finalidade sexual, e depois retirar todos os vestígios de feminilidade do meu corpo”, explica. Como homem, mantém uma relação estável com outro rapaz há quatro anos. “Meu namorado não sabe que tenho outros relacionamentos, tampouco que me visto como mulher para eles. Em casa, eu sou o homem, apenas ativo, e talvez tenha surgido daí essa minha necessidade de extravasar”, conta.
Cléo conta que não tem vontade de contar a esse namorado sobre sua vida dupla nem de terminar o relacionamento por conta disso. “Se algum dia terminarmos, vou querer alguém que conheça e aceite esses meus dois lados”, afirma. Apesar de gostar de sua existência feminina, garante que não tem intenção de abandonar a existência como homem. Ela convive com outras crossdressersem redes sociais, principalmente em grupos fechados onde trocam informações sobre roupas femininas e vivências sexuais. Baseada nessa experiência, ela explica que é apenas um exemplo de uma grande diversidade existente no grupo. “Existem as que são homo, hétero e bissexuais. Algumas são casadas com mulheres e as parceiras sabem, outras vivem uma vida dupla. Eu gosto de ficar bem feminina como Cléo, outras têm prazer em ter um corpo masculino com roupas femininas, inclusive com barba e pelos no corpo”, exemplifica. Segundo outra crossdresser entrevistada, pessoas heterossexuais e as casadas geralmente tendem a ser mais reservadas.
A divisão entre as personalidades masculina e feminina é ainda maior para Nicole. “Eu me considero bissexual. Quando estou como homem, tenho interesse por mulheres, já tive namoradas, mas elas nunca souberam desse meu outro lado. Montada, eu prefiro homens, mas nunca tive nada mais duradouro. Cheguei a me relacionar um tempo com um casal, tinha um lado de dominação e eles chegaram a me levar para algumas festas em que eu ia vestida como Nicole”, explica. Nicole é crossdresser há mais de 10 anos, mas, com exceção dessas situações, ainda não se vestiu como mulher em público. “Tirando essas ocasiões, nunca tive coragem de sair na rua com roupas femininas. Tenho medo de ser reconhecida e de criar constrangimentos à minha carreira. O trabalho é muito importante na minha vida. A sociedade tem dificuldade de assimilar as transexuais, não estou disposta a isso. Acho que o preconceito segura bastante”, relata.
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Nicole: Quando estou como homem, tenho interesse por mulheres. Montada, eu prefiro homens
Ela conta, no entanto que não sabe se viveria tempo integral como mulher mesmo se não sentisse esse constrangimento. “Passo horas no processo de me feminizar. Digo que me visto assim sempre que tenho oportunidade. Não sou das que se satisfazem pondo uma calcinha por baixo da roupa para ir trabalhar. Não me monto só para me relacionar com homens, gosto de me ver como uma mulher, geralmente, me visto para homens que querem me ver assim e deixo rolar”, diz. Nicole recorda que começou a usar escondida as roupas da mãe e da irmã quando morava na casa dos meus pais. “Lembro que cheguei a comprar algumas roupas femininas em sites da internet. Quando vim para São Paulo, em 2009, fiquei mais livre, morava numa república, mas já tinha as minhas roupas femininas, que mantinha trancadas. Chegava a alugar um quarto em hotéis para passar o fim de semana todo vestida de Nicole”, diz. O auge, no entanto, foi quando passou a dividir o apartamento no qual mora atualmente com outra crossdresser. “Ela era casada e a mulher não sabia desse segredo. Apenas guardava as roupas dela aqui, enquanto eu morava aqui sozinha. Eu tinha um perfil no Orkut, onde colocava as minhas fotos femininas. Os elogios que recebia sempre foram importantes para investir em uma montagem cada vez melhor, aprender a usar maquiagem, comprar saltos, perucas etc.”, conta.
Estudante universitária, Gabi conta que é assumidamente um rapaz homossexual, mas mantém segredo sobre o fato de ser crossdresser. Tem 19 anos e começou a se vestir como mulher faz um ano. Como mora com a família, as roupas ficam escondidas em seu quarto e ela não costuma sair em público como Gabi. Com o corpo depilado e longos cabelos encaracolados, ela conta que costuma marcar encontros pela internet, com homens que frequentam sua página em perfis sociais.
De vez em quando, se exibe também para eles. “Ser crossdresser desperta a atenção de homens que normalmente não se sentiriam atraídos por um garoto gay. E sinto que sou tratada também com mais carinho quando estou assim”, diz. Gabi conta que costuma se vestir basicamente com finalidade sexual. A primeira vez, segundo narra, foi como uma brincadeira. “Ouvia dizer que eu parecia uma garota e resolvi me vestir de mulher de curiosidade, para saber como ficava”, diz ela, que admite que não assume publicamente que é crossdresser por medo do preconceito das pessoas.
Experiência pré-transexual
Apesar de ter uma vivência de se vestir de mulher apenas em lugares reservados, Carla diz que não se considera uma crossdresser. “Eu me considero uma transexual que ainda não pode viver do jeito que gostaria. Tenho um pouco de vergonha e medo de que as pessoas não me entendam. Principalmente a minha família, acho que a gente sempre depende desse apoio”, explica. Atualmente, se veste diariamente como Carla. “Quando chego do trabalho, fico à vontade. Faço maquiagem, coloco uma peruca e escolho as roupas que tenho vontade de usar, uma minissaia e uma blusa. Espero viver algum dia isso em toda sua plenitude, mas não sei se estou preparada. As pessoas mais próximas sabem do meu desejo sexual por homens, mas não comento sobre a questão de gênero. Acho que o meu maior receio é ser marginalizada, não sei como serei vista no meu ambiente de trabalho. Não quero jogar fora meus estudos, minha carreira”, afirma.
Ela conta que começou a se vestir como Carla há cerca de dez anos, incentivada por um parceiro. “Ele me deu um fio dental. Lembro que fiquei com vontade de vestir na hora, mas fiquei sem graça de admitir. Existe um processo de aceitação. Foi importante ele ter tomado a iniciativa de propor”, recorda, destacando que hoje se considera alguém que espera iniciar esse processo de feminização. “Mas não é algo simples. Cheguei a ir algumas vezes de biquíni para a praia. Escolhi uma mais afastada, com poucas pessoas, e fui sozinha. Fui com uma bermuda e, quando vi que estava em segurança, tirei e fiquei tomando sol.”
Monique também vive uma fase intermediária entre ser crossdresser e se assumir como transexual e viver integralmente como mulher. Aos 27 anos, ela faz uso de hormônios para feminilizar o corpo, o que já destaca os seus seios quando está em roupas femininas, mas ainda mantém o seu trabalho como homem. No cotidiano, usa técnicas para ressaltar a feminilidade quando está como Monique e para disfarçá-la quando está “de sapo” (expressão usada pelas crossdressers para identificar o momento em que usam roupas masculinas). Para ela, a vida como crossdresser acaba sendo um estágio para muitas pessoas perceberem se são transexuais ou não.
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Monique passou as férias em trajes femininos, pela primeira vez, na cidade onde vivem os pais
Como Monique, começou a frequentar festas LGBTs e cada vez mais vive como mulher no dia a dia. “Nas férias, fui para a cidade dos meus pais. Foi a primeira vez que fiquei montada lá. Eles já sabiam que eu me vestia de mulher, mas acham que é melhor que eu não assuma isso integralmente. Acho que vão aceitar com o tempo, no começo foi difícil inclusive para eles entenderem o meu gosto por rapazes”, conta.
Sallie explica que, para ela, se vestir de mulher começou quase como uma brincadeira. “Uns amigos diziam que eu iria ficar legal e resolvi experimentar. Acho que é mais fácil para quem é homossexual experimentar essas coisas, porque já tem uma atração pela feminilidade”, comenta.
Ela conta que, a partir daí, houve grandes mudanças em sua vida. “Depois que comecei, ficou difícil parar. Hoje, compro muito mais roupas femininas do que masculinas. É como estar casado comigo mesmo”, brinca.
Sallie conta que não vê se vestir de mulher como uma mera fantasia. “Para mim, revelou uma essência que sempre tive”, acredita. Ela acredita que está em meio a um processo transexual, no qual não alcançou ainda o ponto de se assumir completamente, no entanto, já frequenta lugares fechados como mulher e é assumida perante amigos e familiares.
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Sallie: “Depois que comecei, ficou difícil parar. Hoje, compro muito mais roupas femininas do que masculinas”
Feminização controlada
Bruna também faz uso de hormônios femininos, mas garante que não pensa em levar o processo de feminização mais adiante. “Uso para ser uma crossdresser mais ‘top’, como os homens costumam falar”, diz ela, que interrompe o uso dos hormônios femininos por dois meses quando percebe que as mudanças em seu corpo estão muito acentuadas. Bruna afirma ter começado o uso desses produtos tarde, aos 23 anos, mas destaca os resultados rápidos. “O contorno do rosto e da cintura mudam, a pele fica mais fina, por isso, vou administrando com cuidado para não despertar muita atenção, mas os seios estão fazendo sucesso”, comenta. Ela diz que as interrupções são importantes também para que ela não perca a ereção. “Gozar é muito bom”, diz.
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Bruna interrompe o tratamento com hormônios femininos quando nota que as mudanças em seu corpo estão muito acentuadas
Hoje, aos 25 anos, Bruna conta que começou a se vestir constantemente de mulher aos 20 anos, por causa de um namorado. “Era muito legal porque ele investia em mim. Comprava lingeries lindas para eu esperá-lo chegar do trabalho”, recorda. Ela garante que tem amigos que já a viram vestida de mulher e garantem que seriam incapazes de reconhecê-la. Ela trata como indescritível o prazer que sente ao se vestir como mulher e diz que lhe agrada também receber elogios dos homens. Nos relacionamentos, especialmente como crossdresser, costuma sair principalmente com homens que são exclusivamente ativos, muitos deles casados.
Atualmente, parentes e amigos mais próximos sabem que ela é crossdresser e Bruna também não tem constrangimento de publicar fotos de rosto na internet. Ela fica de salto alto, fio dental e outras roupas femininas quando está sozinha, inclusive peças íntimas para dormir e, apesar de se vestir como mulher basicamente em ambientes privados, já fez algumas experiências públicas. “Uma vez fui para academia com um short de mais ou menos um palmo, uma regatinha e uma calcinha minúscula. Um amigo meu percebeu, mas não fiquei com vergonha, ele até gostou. Também já viajei para outros estados vestindo calcinha por baixo da calça jeans. É algo que me excita”, revela.
Bruna afirma que as crossdressers costumam ser alvo de preconceito de travestis e transexuais. “Somos muitas vezes motivo de piadas por parte delas. Elas são muito mais vítimas de violência do que nós, podiam ser um pouco mais tolerantes conosco”, diz.
Por Leonardo Fuhrmann Do Portal Fórum escreveu:Link da Reportagem Original