Sempre fui uma heterossexual convicta
daquelas que diz ter nojo de mulher. Nem por um segundo dos meus 33 anos lembro de ter sentido atração por alguém do mesmo sexo. Não, de jeito nenhum. Nunca flertei com uma mulher que eu tivesse cruzado na rua, muito menos com uma amiga ou professora – daquelas que a gente admira e fica pensando mil coisas.
Quando uma grande amiga contou que tinha beijado uma mulher, fiquei perplexa. Não sei nem quantos “credo, nunca beijaria” vieram à minha mente antes que eu pudesse esboçar qualquer reação.
Eu sempre fui fissurada em homens. Depois de algumas tentativas de namoros frustradas, comecei a me relacionar com o Pedro. Ele era alto, forte, moreno e muito bonito. Chamava atenção e eu gostava de estar com ele. Julgava que a minha vida sexual só não era melhor por conta do anticoncepcional, que expulsava a minha libido e lubrificação.
Os primeiros seis anos da minha vida sexual com o Pedro foram bem sem graça. Eu o via somente aos finais de semana e torcia para ele não querer fazer sexo. Nos últimos dois anos de namoro, decidi colocar o DIU (Dispositivo Intra-Uterino), que é um método contraceptivo inserido no útero.
Nossa, tudo melhorou de forma incrível. Passei a sentir um tesão imenso e procurava meu namorado como nunca procurei. Ele estava adorando, aproveitando. Dizia que era a melhor fase do nosso relacionamento.
Um dia, com muito tesão e sozinha no meu quarto, resolvi procurar um filme pornô. Quis ver algo diferente para aproveitar o meu momento de prazer. Digitei no Google “pornô lésbico”. Olhei a imagem estática e relutei até apertar o play. Não parei muito para pensar os motivos de querer avançar e antes que pudesse refletir, a cena começou a aparecer na minha tela. Deixei o vídeo com volume baixo, com medo de ser descoberta. A vergonha inicial começou a dar lugar para um prazer indescritível. A cada cena que via, me excitava mais. Nossa, como deve ser gostoso estar com uma outra mulher, pensei baixinho. Imaginei o toque, a sensação e toda aquela sensualidade entre as duas mulheres. Fiquei em um puro estado de êxtase. Gozei.
Quando acordei no dia seguinte, aquela cena não me saía da cabeça. Percebi que, por algum motivo, o meu corpo, minha mente e minha essência ignoraram por 33 anos qualquer possibilidade de uma relação lésbica. Por que, de uma hora para outra, surgiu essa vontade dentro de mim?
Logo me veio a Ana à mente. Ana era minha professora na academia há três anos. Todos os dias de manhã estávamos juntas. Nossa amizade foi crescendo ao longo desses anos e ela acabou se tornando uma das minhas confidentes. Eu sabia que ela era lésbica. Ouvia constantemente as histórias sobre a namorada dela. Nossa, ela era apaixonada por aquela mulher.
No começo, eu não prestava muita atenção na Ana. Ela dava umas investidas, arriscava uns olhares, mas eu fingia que não era comigo. Quando saíamos com o pessoal da academia – um grupo grande, de umas dez pessoas -, ela sempre fazia questão de sentar ao meu lado. O meu namorado não costumava participar desses encontros, porque sempre estava em casa, com os amigos ou trabalhando.
Talvez eu não quisesse enxergar, mas começava a surgir uma tensão sexual entre nós. Acho que até hoje não consigo admitir essa atração que comecei a sentir. Deixei ela guardada, para que nem eu pudesse acessá-la.
Mas o pornô lésbico não me saía da mente e junto a ele só conseguia pensar em uma pessoa: a Ana. Como eu iria seguir em frente com isso? Como falar com a Ana? Aliás, fazia algum sentido isso que eu estava sentindo? Eu tinha o Pedro, com quem eu namorava há 8 anos. Tínhamos construído muitas coisas juntos, a relação estava mais quente e a minha libido nas alturas. Mas, de alguma maneira, eu sabia que não era aquilo que eu queria.
Há um ano, nós tínhamos comprado uma casa. Iríamos morar juntos, finalmente. Não nos veríamos mais só aos finais de semana. Mas eu desisti. Por quê? Achei que aquilo, naquele momento, não me faria feliz. Era novamente eu querendo me enganar. Eu nem sentia saudades dele durante a semana. Por que iríamos morar juntos, afinal?
Eu queria algo novo, mas não era aquilo. E talvez, inconscientemente, estava lá a Ana, martelando na minha cabeça. Aquela manhã na academia foi diferente. Pela primeira vez, eu enxerguei conscientemente a Ana de outro jeito. O sorriso dela era lindo. O modo como ela se movimentava, o jeito que ela falava e me olhava. O corpo, os cabelos curtos, bem cortados. Reparei até na mão dela. Que mulher linda.
E então comecei a pensar na Ana, esquecendo muitas vezes que o Pedro ainda estava na minha vida.
Fui com esse pensamento a um almoço com três amigas. Em dado momento da nossa conversa, lancei a bomba: quero beijar uma mulher. A Bárbara, casada e bem resolvida, não demorou a dizer que já tinha vivido a experiência. Recomendo fortemente, ela disse. “A minha experiência com uma mulher foi maravilhosa. O toque, o cheiro. Nossa, você precisa experimentar”. Para nossa surpresa, a nossa amiga Larissa concordou com a Bárbara, confessando também a sua experiência lésbica e deixando a nossa terceira amiga, a Paula, boquiaberta. Paula era a única que nunca havia pensado no assunto e nem vivenciado nada parecido. Ela era a mesma heterossexual convicta que eu imaginei ter sido.
Fui pra casa contente. O papo tinha me deixado mais leve. Resolvi mandar uma mensagem pra Ana. “Estou com vontade de ficar com uma mulher”. Os segundos duraram uma vida até chegar a resposta: “Posso te levar a uma balada gay e lá você pode escolher qual mulher quer beijar”. Dezenas de links de baladas foram surgindo no histórico da conversa. “Poxa, mas eu nunca fui a um lugar desse. Como vou beijar uma moça que nunca vi? Que medo. Calma, Ana, vamos com calma, não é isso que eu quero”. Conversamos mais um pouco e ela prometeu me ajudar.
Passou a semana e chegou a sexta-feira. Eu tinha trabalhado o dia todo, estava cansada. Faltavam exatamente 20 dias para eu completar 8 anos de namoro com o Pedro, mas eu só conseguia pensar na Ana.
Acabei não vendo Pedro nesse dia. Saí para comer uma pizza com a Ana e um amigo nosso da academia. Mas o foco não foi a pizza e sim os copos de vodka que eu não parava de virar. Foi um atrás do outro. Eu estava ansiosa e eufórica com aquela sensação que a Ana estava me causando. Ela encostava em mim e o meu corpo respondia sem resistência. O meu coração acelerava em um ritmo que há muito tempo eu não sentia. Talvez, nunca tivesse sentido.
Com a minha inexperiência com mulher, eu não sabia se a Ana estava percebendo a minha mudança. Será que ela não estava percebendo o quanto eu comecei a desejá-la? Ela não esboçava nada, ficava na dela. Depois de mais uns copos de vodka com energético, ela se ofereceu para me levar em casa.
Durante o caminho, ela conversou naturalmente, mas sem qualquer mudança corporal que demonstrasse um interesse. Ela parou o carro, olhou pra mim, sorriu e me deu um beijo no rosto. Fiquei esperando qualquer gesto diferente. Nada. Ela nem encostou em mim. Desci do carro, sem reação. Eu só pensava: “Poxa, será que sou feia, sem graça, não faço o estilo dela? Ela sabe que quero ficar com mulher e nem tentou, nem falou nada?”. Fiquei louca, não conseguia pensar. Eu a queria. Agora eu tinha certeza que a queria muito. Antes de chegar na porta da minha casa e virar aquela maçaneta, mandei uma mensagem: “Você podia voltar, né?”. Em um segundo, pipocou a resposta no meu celular: “AGORA”.
Senti todos os calafrios possíveis. Respirei fundo. Não tem mais volta. É agora. Os minutos passaram tão rápido que ouvi rapidamente o barulho do carro voltando. Abri a porta e entrei. Nem vi o rosto dela. Quando me dei conta, já estávamos nos beijando. E que beijo foi aquele…macio, gostoso, doce. Os suspiros, as respirações rápidas, as mãos percorrendo os dois corpos, o jeito que ela me apertava…me soltei. Que delícia. Como é boa essa mulher. Nem dormi naquela noite.


Acordei e a primeira lembrança foi aquela sensação. E então lembrei do Pedro. Ele me ligou umas duas horas depois e perguntou se eu não achava uma boa ideia ir ao motel. Eu disse que não queria, que precisávamos conversar.
Nos encontramos. Eu disse que estava confusa e que não queria mais viver aquela relação. Ele ficou assustado. Não esperava por isso. “Como assim? Estamos no nosso melhor momento”, ele disse. Como ele não percebeu que a nossa relação estava longe do melhor momento? Como ele não viu que estávamos tão desconectados? E como eu demorei a ver? Só pensei que não podia mais viver daquele jeito. E fui. E foi o melhor “fui” da minha vida.
Liguei algumas horas depois para a Ana. E a sugestão do motel que já havia surgido naquele dia, resolvi combinar com ela. Seria a minha primeira vez com uma mulher. E essa euforia se intensificou ainda mais, porque eram misturas de sensações que há muito tempo eu não sentia.
Ela chegou cheirosa, linda e com aquele sorriso que em tão pouco tempo passei a adorar. Coloquei uma lingerie linda e me produzi pra ela, pensando em como seria aquele momento.
Pedimos um vinho e conversamos, até que nossos corpos começaram a se encontrar. O toque dela era incrível e antes que eu pudesse vivenciar aquele momento especial, levamos um susto com socos que surgiram na porta do quarto.
Era o Pedro. Ele descobriu onde eu estava e foi atrás de mim. Esmurrava a porta do quarto e gritava para eu sair. “Terminou comigo de manhã e à noite já está com outro macho?”. Foi uma situação constrangedora. Eu pedi pra ele sair, mas ele disse que não sairia nem com a polícia. Não abrimos a porta. Ligamos para o serviço de quarto e alguém o retirou do local.
Ana ficou tensa, eu também. A primeira noite não aconteceu. Cada uma foi para a sua casa e só no dia seguinte conseguimos conversar direito.
Pedro não me procurou mais. Em uma semana, saí da casa dos meus pais, aluguei um apartamento e, há três meses, a Ana dorme em casa quase todos os dias. A minha vida virou do avesso. Fiquei sem chão, fiquei louca, feliz, mais bonita. Fiquei com medo, fiquei com vergonha e extremamente apaixonada.
A Ana me fez sentir desejos e vontades que nunca senti. Ela me mostrou outros toques, outros olhares, outros sabores, outros sentidos, outros cheiros e outros gostos. Sou completamente louca por ela. Morro de tesão só de olhar pra ela, só de falar com ela. Nunca senti o que sinto por ela. Eu me sinto completa, realizada.
E no meio de tudo isso, ainda não sei como contar aos meus pais. Contei apenas para minhas duas irmãs e alguns amigos. Na verdade, apesar do receio, só sei de uma coisa: não vou deixar de viver tudo isso por nada.
Não deu nem tempo de sentir qualquer crise de identidade e ficar me perguntando: “será que sou lésbica, será que sou bissexual?”. Só estou vivendo. Agora, de verdade. E com uma intensidade que eu não imaginei que existisse.