Amigas, venho acrescentar um conhecimento que nos serve, para entendermos como a sociedade nos vê e um estudo associado a isso. Conheçam o Vale Estranho.
Meses atrás, em outubro último, amigos meus, amigos antigos (e por isso preciosos), do tempo em que eu não participava do corpo que habito (preciso rever essa denominação), e assim nem a eles. Enfim, meu perfil do Instagram permanecia oculto até o momento que formalizamos, o sapo e eu, amizade e isso antecipou ao conhecimento deles. Nós imaginávamos realmente que eu seria só mais um parente, mas minha foto ao que parece foi suficiente para relacionar-me com a conta do sapo, e questionamentos começaram a ser feitos. Esse era o tipo de conversa que eu não queria ter na época e nem agora, mas embora me cause tristeza e aflição ler os comentários deles, prefiro trabalhar a partir do presente que viver lamentando o passado.
Enfim, voltando ao assunto de agora, antes de eu afirmar que a conta pertencia a nós, um desses amigos passou um dado científico que prefiro que tenha me contado como um alerta a agressão, mas que pode ser usado para todas nós, mulheres nascidas em corpos masculinos. Trata-se do Vale Estranho, e se faz necessário falar um pouco sobre o que é:
Vale da estranheza relaciona a repulsa dos seres humanos a aquilo que se parece com um ser humano, mas possui traços evidenciando que de fato não são. Quanto mais parecido com um ser humano admitido pela sociedade ele for, maior a repulsa, até que atinja a perfeição e o ser humano volte a tratar bem. É mais conhecido para tratar de robôs humanoides e animação gráfica realista, mas consigo ver a estranheza dos amigos que viram um homem dentro da animação gráfica de Sueli.
No conceito do Vale da estranheza, um objeto enquanto for reconhecido como sendo um objeto, é apreciado pelos seres humanos, a medida que ele vai se parecendo com um humano, essa apreciação muda pouco, podendo até ser melhor, mas a partir do momento que o objeto passa a quase se passar por humano, a repulsa surge, aumentando a cada passo em orientação a nova forma, sem ainda o ser, até que atinga um grau que faça o ser humano parar de a considerar como um objeto, e a qualificar como ser humano, então a repulsa some.
Acredito que esse pensamento sirva para se aplicar a nós, mulheres trans, travestis e CDssers. No início do processo, que considero ser a terapia hormonal, considerando que não revelamos aos próximos do processo, as mudanças serão tratadas de forma branda, seja usando ironia para falar dos peitos que começaram a aparecer no corpo de homem, seja o cabelo comprido, que já é visto entre os homens sem tantas complicações, contudo, ao passo que se torna perceptível a transição, quando as características do gênero de afirmação se tornam mais presentes no corpo, quando passamos a nos vestir adequadamente ao gênero feminino definido pela sociedade, quaisquer traços masculinos que se evidenciarem trarão repulsa a nossos corpos, e no nosso caso, diferente do objeto, o passado estará sempre presente na vida dos que nos conheceram antes, e a incongruência entre o nosso eu passado e o de agora.
O que descobrir que a repulsa faz parte de um instinto primário de proteção muda para mim? Não muda. Serve apenas para compreensão, para levar para frente, justificar o motivo pelo qual precisamos de Leis proibindo violência a pessoas como nós. Mostrar às pessoas limitadas que o problema não são necessariamente elas, mas uma condição que as impele a se afastar ou agir de forma agressiva e que precisa de alguma forma ser coibida, se não pela vontade própria em ser melhor, para avisar sua inconsciência que agir desta forma fará mal a sua sobrevivência e quem sabe - assim - consigamos viver harmonicamente entre nós.
Preciso me lembrar no futuro a agradecer meu amigo por ter me compartilhado essa informação.