Heilborn ML, Aquino
EML, Bozon M, Knauth DR, organizadores. Rio
de Janeiro: Editora Garamond/Editora Fiocruz;
2006. 536 pp.
ISBN: 85-7617-098-1


O livro Aprendizado da Sexualidade: Reprodução e
Trajetórias Sociais de Jovens Brasileiros, sistematiza os
principais resultados da Pesquisa GRAVAD (Gravidez na
Adolescência: Estudo Multicêntrico sobre Jovens, Sexualidade
e Reprodução no Brasil). A pesquisa, que aconteceu
em três grandes centros urbanos: Porto Alegre,
Rio de Janeiro e Salvador, destaca-se por assumir uma
abordagem inovadora no que diz respeito à perspectiva
da sexualidade e gravidez na adolescência. O estudo
optou pela aproximação do conceito juventude através
da superação de estratégias de definição por meio de
marcos etários e a adoção de uma perspectiva mais
abrangente de processo social, que engloba marcos
referidos ao término dos estudos, entrada no universo
profissional, saída da casa dos pais e início da vida
conjugal. Igualmente, a postura tradicional assumida
em relação ao fenômeno da gravidez na adolescência,
liderada pela pesquisa biomédica e os estudos psicológicos,
é substituída por um conceito de sexualidade
englobante. Dessa forma, argumenta-se que a sexualidade
é de fato um conceito no qual sujeitos são lentamente
socializados e que permite ao jovem a constituição
de um domínio de autonomia individual. Sendo
assim, a gravidez na adolescência pode apresentar-se
como uma possível ocorrência neste cenário de busca
pela individualidade e experimentação amorosa.
O livro divide-se em dez capítulos, sendo o primeiro
uma descrição detalhada dos objetivos e premissas
teóricas da pesquisa acima referida. Reforça-se aqui a
importância da estratégia de descentramento etário e
da idade mais alta dos entrevistados como possível facilitador
para a observação dos processos da juventude e
avaliação das conseqüências de uma possível gravidez.
O segundo capítulo, Gravidez na Adolescência: Um
Balanço Bibliográfico, apresenta uma revisão bibliográfica,
majoritariamente nacional, sobre o tema da gravidez
na adolescência. Os autores ressaltam a construção
da gravidez na adolescência como um problema social
e de saúde pública, muitas vezes revestido por visões
reducionistas e moralistas que percebem os jovens como
vítimas da pobreza e desinformação ou, no caso
das meninas, oportunistas buscando um vínculo com
seus parceiros.
O terceiro e quarto capítulos, Aspectos Metodológicos,
Operacionais e Éticos da Pesquisa Gravad e As
Características da População Pesquisada, respectivamente,
expõem o percurso metodológico adotado na
pesquisa e a descrição das características das populações
estudadas. A investigação se apresenta como uma
pesquisa multidisciplinar que unificou técnicas qualitativas
e quantitativas de produção e análise de dados.
A pesquisa foi submetida e aprovada pelos Comitês de
Ética de três universidades envolvidas na mesma. O estudo
incluiu jovens de 18 a 24 anos, de ambos os sexos,
habitantes dos municípios acima citados. A população
foi observada por meio de uma investigação minuciosa
de seus contextos socioculturais e características individuais.
Tais especificidades incluíram: cor, filiação religiosa,
meio social, escolaridade, distribuição de renda
e, finalmente, a situação atual do sujeito em relação à
moradia, trabalho e estudos.
O quinto capítulo, Iniciação à Sexualidade: Modos
de Socialização, Interação de Gênero e Trajetórias Individuais,
defende a partir da contemplação dos dados
obtidos a hipótese de que a precocidade sexual não é
uma tendência inteiramente crescente para jovens brasileiros.
De fato, ao contrário do que é esperado em função
da imagem traçada sobre a juventude na mídia, a
iniciação sexual do jovem brasileiro se dá dentro de um
contexto estruturado e muitas vezes rígido no que diz
respeito a expectativas relativas a gênero. Observou-se
que a iniciação sexual masculina foi mais precoce que
a feminina em todas as cidades, porém em relação ao
uso de métodos de contracepção ou proteção durante a
primeira experiência, observaram-se índices mais baixos
em Salvador do que nas duas outras cidades. Ainda,
foi constatado que a tendência espontânea e carente
de ponderação pode contribuir com os estereótipos de
gênero, a ausência de métodos de proteção após a primeira
relação, conseqüentemente, uma gravidez inesperada.
Finalmente, essa ideologia espontaneísta da
sexualidade se retro alimenta do baixo nível de trocas
verbais entre parceiros e da reticência de alguns grupos
em tratar da contracepção e proteção.
No sexto capítulo, Valores sobre Sexualidade e Elenco
de Práticas, descreve-se as opiniões de jovens diante
de temas referentes à sexualidade utilizando-se relações
de gênero, raça, filiação religiosa e elementos bibliográficos
como possíveis determinantes de valores e condutas.
A pesquisa demonstra, principalmente nas classes
populares, que as “necessidades” sexuais masculinas se
apresentam como mais intensas e impulsivas e que as
experiências sexuais entre pessoas do mesmo sexo são
rejeitadas. Como indicador de uma visão de masculinidade
tradicional, os pesquisadores utilizam as idéias
em relação à homossexualidade que traduzem a manutenção
de tais perspectivas independente de classe
social. Em relação às práticas sexuais, observa-se o sexo
oral como igualmente comum a ambos os sexos, já o
sexo anal é mais valorizado por homens o que reflete a
natureza hierárquica das relações de gênero no país.
O sétimo capítulo, Trajetórias Afetivo-Sexuais, analisa
diferentes momentos da vida dos jovens entrevistados
buscando compreender como os relacionamentos
afetivo-sexuais concorrem para a autonomização
dos jovens e de que modo as influências de gênero,
pertencimento social e escolaridade incidem sobre as
mesmas. As trajetórias afetivo-sexuais são classificadas
em três grandes grupos: (i) jovens que tiveram um relacionamento
estável com um ou no máximo dois parceiros;
(ii) jovens que tiveram vários relacionamentos
estáveis com diversos parceiros; (iii) jovens sem histórico
de relacionamentos estáveis. O estudo demonstra
que, a expectativa da gravidez na adolescência como
perturbadora do curso natural da juventude se constrói
por meio da tendência em observar as situações de namoro,
união e gravidez como lineares ou cumulativas e
não simultâneas com indicam os resultados do estudo.
O oitavo capítulo, Gravidez na Adolescência: A Heterogeneidade
Revelada, apresenta um panorama de
experiência reprodutiva de jovens nos centros urbanos
acima referidos. A gravidez na adolescência observa-se
como fenômeno complexo que apresenta diferenças
em virtude de diversidades regionais, sociais e bibliográficas.
Os dados revelam que a manutenção ou interrupção
da gravidez é fortemente influenciada pelo desejo da família da gestante e principalmente, do parceiro.
O estudo demonstra maior diversidade entre as
experiências sexuais de homens e mulheres em jovens
entrevistados em Salvador. Da mesma forma, esses
jovens iniciam a vida sexual mais tarde, porém engravidam
mais precocemente em relação a jovens entrevistados
nos outros centros urbanos. É importante
ressaltar que os dados apesar de apontarem para uma
“herança familiar” no que diz respeito à ocorrência de
gestações na adolescência em diversas famílias, também
demonstram o rompimento da reprodução deste
ciclo de pobreza em virtude da ampliação dos projetos
de vida dos jovens.
O penúltimo capítulo, As Trajetórias Homo-Bissexuais
analisa a homossexualidade na trajetória sexual
dos jovens entrevistados observando de maneira minuciosa
os processos de intercâmbio entre sexualidade
e gênero. A categoria contemplada se construiu através
da ocorrência de ter tido experiências de natureza sexual
com pessoas do mesmo sexo.
O último capítulo, Sexualidade Juvenil: Aportes para
as Políticas Públicas, apresenta recomendações para
a criação de políticas públicas relativas à sexualidade
juvenil centradas em programas educacionais que ultrapassem
a simples transferência de informações técnicas
e contemplem os aspectos relacionais de gênero
e a dimensão afetiva arraigadas na sexualidade. Discute-
se a necessidade de políticas que invistam na preparação
dos jovens para maior autonomização. Recomendam-
se medidas focadas em grupos em situação
de vulnerabilidade, como é o caso de jovens pobres,
além da disseminação de alternativas de enfrentamento
e administração de gestações não imprevistas, combatendo
assim o custo social e possíveis complicações
decorrentes de abortos realizados em condições de higiene
e segurança precárias.
O livro estimula as discussões em torno da elaboração
de novos conceitos no campo da juventude que
ultrapassem aqueles tradicionais, certamente podendo
contribuir para a criação de políticas de saúde que
entendam a sexualidade juvenil por meio de uma perspectiva
englobante. Esta abordagem pluralista e multidisciplinar
dos conceitos sexualidade, juventude e reprodução
colabora com a maior compreensão dos processos
referentes ao aprendizado da sexualidade e das
trajetórias afetivo-sexuais da juventude relativas à saúde
reprodutiva, sexualidade e papéis de gênero. Como
importante contribuição o livro propõe uma perspectiva
da juventude brasileira mais leal aos seus dilemas,
experiências, valores, expectativas e transformações. O
livro constrói através de seus resultados uma visão da
juventude livre dos estigmas e pré-conceitos difundidos
pelo senso comum e pela mídia, que ligam a adolescência
a práticas de risco, relacionamentos transitórios,
imaturidade, irresponsabilidade e vitimização.
A obra busca sugerir o desenvolvimento de pesquisas
que venham preencher lacunas sugerindo novos inquéritos
sobre as relações entre jovens e suas famílias,
círculos de sociabilidade, serviços de saúde, rede sociais
de apoio e experiências de discriminação e violência.
Finalmente, a reconstrução conceitual e metodológica
apresentada na pesquisa proporciona à literatura
científica em saúde as diretrizes necessárias para a formulação
de políticas públicas que observem a juventude
através de suas especificidades sociais, culturais
e subjetivas, podendo ser mais eficazes na produção
e transformação das atitudes, representações sociais,
valores e expectativas relacionados à população em
referência.
Ana Helena Rotta Soares
Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de
Janeiro, Brasil.
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