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Este artigo foi publicado originalmente no G1 em 17/03/2024. A transcrição segue abaixo.

'O amor é o alicerce': a mulher hétero e a mulher trans (e lésbica) que se mantêm unidas após uma transição de gênero
Cida e Fernando se conheceram em 2003. Em 2018, a identidade masculina dele deu lugar à da Fe Maidel. Desde então, as duas lidam juntas com as dores da transição.

Um quadro na parede da sala exibe uma mulher nua, de costas, com longos cabelos ruivos. Esta foi uma das primeiras obras que Fe Maidel (na época, Fernando), de 58 anos, fez para sua esposa, Cida Vasconcelos, 57, no início do relacionamento, há 20 anos.

Fe acredita que aquela representação feminina já estava comunicando algo que ela ainda não entendia e nem sabia colocar em palavras: Fe é uma mulher trans.

Cida acompanhou de perto e deu suporte à transição de gênero. Não sem dor. Para ela, o processo foi solitário e repleto de perdas, concretas – "cadê a perna peluda que eu gostava?” – e de sonhos.

"É muito difícil, por toda aquela figura que eu tinha construído na minha vida, o meu casamento. Eu e o Fernando era o que tinha de melhor na minha vida.”
Cida é uma mulher cisgênero (identifica-se com o gênero de nascimento).

'Foi assim, arrebatador'
Em setembro de 2003, Cida, recém-separada de seu segundo casamento, conheceu o artista gráfico Fernando em um evento da empresa de telecomunicações em que trabalhava, em São Paulo.

Ele tomou a iniciativa, e, em apenas duas semanas, o namoro começou. “Você é a nau que eu navego, impetuosa, inclemente, delicada. (...) Você é minha mulher”, declamou Fernando num dos primeiros poemas que escreveu para Cida.

Em um mês e meio, estavam morando juntos – e o poema, transcrito para um quadro, ainda hoje enfeita a sala da família.

“Foi assim, arrebatador. A gente se amou loucamente, queria estar junto, não podia ficar separado. Em um minuto grudamos. A gente estava um com 36 [anos], outro com 37, e a gente queria já ali de cara começar a criar uma família juntos”, contou Cida.
O casamento aconteceu em abril de 2005. Cida estava grávida de quatro meses. No entanto, durante a festa, começou a sentir contrações. “Ao invés de ir para a lua de mel, eu fui para o hospital porque eu consegui perder o bebê no dia do casamento”.

Algum tempo depois, ela engravidou novamente, mas teve mais um parto prematuro que levou à perda do bebê. “Entrei num processo de depressão bem, bem pesado. Isso também desestruturou muito a Fe.”

Cida Vasconcelos e Fe se conheceram em 2003. Em duas semanas, o namoro começou. Em um mês e meio, estavam morando juntos. Para eles, foi um 'encontro arrebatador'. — Foto: Celso Tavares/g1
Cida Vasconcelos e Fe se conheceram em 2003. Em duas semanas, o namoro começou. Em um mês e meio, estavam morando juntos. Para eles, foi um 'encontro arrebatador'. — Foto: Celso Tavares/g1

'Acorda todo dia e o espírito não encaixa no corpo'
Após outras duas perdas gestacionais, eles decidiram adotar uma criança. Fernando optou por mudar de profissão e encarar uma nova faculdade, de psicologia, em 2010.

Cida percebeu que algo não ia bem no relacionamento. Tentaram terapia de casal. As mudanças e os traumas, claro, podiam explicar o estranhamento entre os dois. Mas havia algo a mais.

“Acredito que nesse momento ela já tinha muitos questionamentos em relação a essa identidade, essa disforia, essa inquietação. Como eu consigo descrever? Parece que acorda todo dia e o espírito não encaixa dentro do corpo.”
Cida conta que queria saber o que era, mas tinha medo da resposta. Até que um dia – era 2011 – chegou em casa e encontrou Fernando com roupas de mulher.

'Lidar (...) na intimidade é muito mais difícil do que você botar a peruca'
Após o flagra, Fernando tentou se explicar. Cida ainda lembra as palavras: "[Fe disse] 'vivo numa tensão tão grande que quando eu me monto, é como se eu estivesse tomando um calmante, um remédio'”.

Cida tentou entender, então, se o episódio era algo esporádico, ou se era uma vontade de estar daquela forma o tempo todo. Perguntava, mas Fernando ainda não tinha as respostas.

“Eu fiquei muito sozinha nesse momento. Até hoje é muito difícil ter alguém que escute quem está nessa posição de ver a transformação acontecendo. Não existem grupos de pessoas para discutir isso."
Fernando passou a se montar mais vezes – mas, principalmente fora de casa. Dentro do próprio lar, fazia o que os dois chamavam de cisplay (um trocadilho com os termos cosplay, que significa fantasiar-se, e cisgênero).

“Lidar com isso na intimidade é muito mais difícil do que você botar a peruca, ir para a rua e falar 'eu sou isso'. São coisas muito diferentes. Assumir para o mundo é mais simples do que assumir dentro do casamento”, diz Fe.
Mas, ainda que dentro de casa Fernando tentasse manter as roupas antigas, de vez em quando Cida se deparava com registros em redes sociais de quando o marido estava com roupas femininas. Isso aconteceu principalmente quando Fe passou a atuar como psicóloga – a formatura foi em 2015.

“Isso era uma coisa que me agredia muito, porque eu pensava: 'onde é que eu estou, com quem que eu estou vivendo?' Eu me lembro só de muita dor, muita dor, um buraco, porque eu sentia que eu estava perdendo algo muito importante para mim, mas a discussão era outra o tempo todo. Era 'o que está acontecendo com você [Fe]?'", relembra. “Eu me sentia muito enganada. E eu cheguei a um ponto de inclusive falar para ele: 'você está me traindo com outra mulher, que é você mesmo’. Eu estou sendo traída, mas não posso fazer nada”.
Cida Vasconcelos e Fe Maidel em frente a um quadro pintado por Fe, com um poema feito para a esposa: 'Você é a nau que eu navego, impetuosa, inclemente, delicada'. — Foto: Celso Tavares/g1
Cida Vasconcelos e Fe Maidel em frente a um quadro pintado por Fe, com um poema feito para a esposa: 'Você é a nau que eu navego, impetuosa, inclemente, delicada'. — Foto: Celso Tavares/g1

Nasce a Fe Maidel – menina, em hebraico
Além de Cida, Fernando também buscava respostas. A faculdade de psicologia e o contato com pessoas trans ajudaram.

“Comecei a entrar no tema. Eu tinha estudado patologia, psicopatologia, vi que isso não é uma doença”, conta. "90% das pessoas que eu atendo são pessoas em transição no guarda-chuva LGBT. Isso me deu propriedade de conversar sobre a minha própria questão."
O processo não foi simples. O nascimento oficial de Fe Maidel (Maidel é menina em hebraico – Fe é de família judaica) só ocorreu em 2018, sete anos após o dia em que foi vista por Cida pela primeira vez vestida como mulher.

E ainda é uma transição - até para Cida. Ao longo da entrevista, por vezes ela se corrigiu após chamar Fe pelo pronome masculino (ele).

Para Fe, é um erro, mas é "ok". "Dá para entender, né?." A mãe, de 80 anos, também pode chamar a filha pelo pronome masculino.

“Com as pessoas que me conhecem agora, eu me coloco, eu sou a Fe Maidel. Me chamem no feminino”, diz. “Essa conversa [de aceitar ser chamada pelo pronome masculino] vai incomodar muito da militância, porque a militância é muito arraigada no discurso da aceitação incondicional", pondera Fe.
“Aqui a gente tem uma intimidade tão grande, tão forte, que escorrega, mas ela sabe que eu não estou desrespeitando, que eu não estou provocando, que eu não estou criticando", diz Cida.

Fe Maidel adotou o nome social em 2018. 'Maidel' significa 'menina' em hebraico. — Foto: Celso Tavares/g1
Fe Maidel adotou o nome social em 2018. 'Maidel' significa 'menina' em hebraico. — Foto: Celso Tavares/g1

'Aí a gente tem um hiato'
Identidade de gênero e orientação sexual são coisas diferentes. Ser transexual ou cisgênero diz respeito ao primeiro conceito, e está relacionado à identificação ou não do indivíduo com o sexo atribuído ao nascer.

Ser trans significa não se identificar com esse sexo atribuído ao nascer. No Brasil, as pessoas trans podem, desde 2018, mudar o gênero e o nome social diretamente no cartório, sem necessidade de uma decisão judicial. Além disso, desde 2008, o Sistema Único de Saúde (SUS) realiza cirurgias de redesignação sexual.

Já a orientação sexual independe da identidade de gênero - ela indica por quem a pessoa sente atração afetiva, amorosa e/ou sexual. Podem ser por pessoas do mesmo sexo, do sexo oposto, todos ou nenhum.

Fe, a partir do momento em que se entendeu como uma mulher trans, percebeu que não sentia atração por homens. Pelo contrário, sua atração era por Cida.

“Eu me descobri lésbica porque eu amo e desejo ela."
Já Cida não se entende como uma mulher lésbica, nem bissexual.

“Verbalizar isso corriqueiramente é muito difícil, porque ela não se coloca como lésbica a ponto de me assumir desse jeito na vida dela. Então, aí a gente tem um hiato”, disse Fe.
Hoje, as duas se entendem mais como família, menos como casal.

“Eu diria que entender como uma família que cria um núcleo que nos sustenta é mais importante até do que entender a gente mesmo como um casal”, disse Cida. “O amor é o alicerce. Se você coloca isso como a coisa mais importante, dá um valor maior a preservar, a gente vai superando essas nossas próprias diferenças sem cobrar a aceitação do outro."
Há cerca de 2 anos, Fe tatuou uma foto do casamento. “Eu te amo e eu te amo desde esse momento”, diz ela sobre o registro no corpo.

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[Tens de ter uma conta e sessão iniciada para poderes visualizar este link]Obrigada por compartilhar adorei a historia é maravilhosa.

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Realmente é uma história incrível de amor e cumplicidade. Conheci casos em que foi muito difícil do casal se entender depois, mesmo com o amor, acabou não dando certo.

No fim, as vezes é melhor cada um tomar seu rumo do que um ficar empatando a vida do outro, tendo duas pessoas infelizes convivendo.

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